(...) A Rainha Ginga é um romance de aventuras bem escrito e sem retóricas falsamente sofisticadas onde se misturam lendas, figuras históricas e reflexões intemporais precisamente sobre o tempo.(...)
(...) Um dos trunfos do romance resulta disto: a sua [Rainha Ginga] figura tutelar, porque pertence quase ao domínio da lenda, aparece e desaparece e é-nos contada por alguém que, embora tenha respirado o mesmo ar que ela, aplica uma patine ao seu relato, não a deixando sair da imagem que a história fez dela. Aqui e ali o pitoresco e o detalhe de riquezas, modos de vida, datas, façanhas, salpicam o livro. Mas são apenas pintas, antes fruto do fascínio do próprio Agualusa em partilhar o muito que estudou e descobriu na preparação do livro — andanças e trabalhos que, de resto, muito lhe agradecemos.
José Eduardo Agualusa dá continuidade nesta sua obra à identidade do povo angolano, às suas “estórias”, à procura das histórias, à própria História, dando voz a uma memória coletiva, criando assim um romance de pertenças múltiplas, poderoso na glorificação da Ginga feminista e fascinante na procura identitária do padre Francisco.
(...)Mesclando personagens fictícias a figuras históricas obscuras, o romance tece um retrato irresistível de uma época fascinante, e cruza oceanos de Angola até o Brasil holandês.
(...) Assim, Agualusa oferece uma perspectiva lúcida e crítica sob a história das colonizações. Mas que o leitor não esteja à espera de uma biografia da rainha. Se existe algo que podemos criticar ao autor, é a disparidade entre título e conteúdo: embora a aventura tenha como pano de fundo o reinado de Nzinga, ela está muito longe de ser a sua protagonista.
(...). Para descobrir a Angola, seus heróis e seus encantos, bem como os efeitos nefastos da escravidão do lado de lá, dificilmente poderíamos encontrar melhor ponto de partida.